Já faz bastante tempo,
mas aquele 16 de maio de 1994 jamais será esquecido. Ainda me pego tentando
resgatar na minha memória, traços, momentos, algo que me faça recordar da minha
infância. Tento reconstruir, através de fatos relatados por minha mãe e outros
familiares, ocasiões que vivera ao lado de uma figura heróica para qualquer
criança, meu pai, sempre ouvira dizerem que tinha uma ótima relação com ele,
mas apenas ouço, sem conseguir restaurar uma imagem nos meus sonhos que reforce
essa afirmação. São apenas lembranças imaginarias ou que estão guardadas no inconsciente,
uma vez que são apenas recordações de momentos vividos quando ainda era uma
criança muito pequena.
É um sentimento
indescritível, pois, ao mesmo tempo em que sinto um vazio, uma lacuna em meu
peito, não consigo definir ao certo do que sinto falta, uma vez que só é
possível sentir carência, saudade ou nostalgia daquilo de vivemos,
excepcionalmente dos momentos felizes que jazemos, mas com o passar dos tempos
vão se perdendo.
Somente uma cena o tempo
não conseguiu apagar, talvez por ser a mais intensa, nem sei se realmente me
lembro ou se fantasiei a partir das informações que ouvira ao longo dos anos. O
fato é que precisava de algo que legitimasse aquela situação trágica, quiçá
tenha sido isso mesmo que aconteceu.
Ainda era uma criança,
mas conseguia perceber que algo não ia muito bem. Os ânimos sempre alterados,
quase nunca ninguém sorria, era como se a alegria da família estivesse
definhando juntamente com a doença. É inaceitável ver que ele chega de
mancinho, em silêncio sem dar um menor sinal e de repente faz um estrago tão
profundo; é inacreditável, mas o câncer consegue fazer tudo isso e em tão pouco
tempo. Foram dias difíceis de muita dor e angústia, nada podia ser feito, pois
o destino já estava traçado. Era hora de partir, mas apesar de ser uma certeza,
por sinal a única que temos nessa vida, nunca estamos preparados para enfrentar
esse desafio que a vida nos impõe. Por mais que a razão saiba que a morte é um
momento de transição pelo qual todo ser tem de passar, a subjetividade custa
aceitar a distância, a perda e principalmente a saudade.
Eis que chega o triste dia,
a família e amigos ali reunidos numa sala, todos em volta de um corpo inerte
que já não exalava mais vida, não podendo corresponder às demonstrações de
carinho dos que ali estavam em sua homenagem. A tarde estava sombria, as nuvens
encobria o brilho do sol deixando assim uma tarde cinzenta. Passarinhos no céu
começaram a cantar como se soubessem o que acontecia e por meio de sua música
estavam ali para nos acalmar.
Parece até sadismo o
fato de pessoas ficarem inúmeras horas a olhar um corpo preso por tábuas de
madeira e imaginar que dali nunca mais sairá. No entanto são os últimos
momentos para estar como a pessoa amada. Hoje fico a pensar o que estaria
passando na cabeça de uma criança tão pequena e inocente vivenciando essa
situação. Estaria ela consciente de que jamais iria vê-lo, estaria em seus
braços ou mesmo tocá-lo? É impossível descrever um sentimento de tamanha
profundidade, mas a reação foi de alguém consciente que não sabia ao certo o
porquê, porém foi capaz de expressar nitidamente seu desespero em ter que dar o
último adeus.
(Maria Paixão da Cruz)
Lindo Maria, é muito emocionante, tem muito sentimento, coração, amei!bbjs
ResponderExcluirOBRIGADA, MINHA LINDA
ExcluirRealmente, quando escrevo procuro colocar todo sentimento e verdade que existe dentro de mim, afinal a literaturta não seria arte se não houvesse sentimento verdadeiro por parte do escritor.
ResponderExcluirEssa crônica fiz em homenagem ao meu pai. Infelizmente não tive o prazer em conviver com ele por muito tempo, quando este faleceu ainda era muito pequena e na tentativa de reconstruir algo de concreto resolvi escrever essa crônica a partir de relatos que ouvira ao longo todos tempos.
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